quinta-feira, 22 de março de 2012

Olhos de esmeralda

    Vagava ele perdido pela noite. Nas cores da roupa, um retrato da alma, e na face, o sorriso estrangulado pelo tempo. Era somente ele naquela hora qualquer da madruga, somente ele e o silêncio, somente ele e o tormento dos pensamentos atemporais. Folhas de jornais iam se sobrepondo na calçada úmida, ao sabor do vento frio e ríspido, enquanto sem motivo algum seu corpo girava no meio da rua enquanto seu olhar buscava faminto restos de vida desejante, porém, nem um pé de alma lhe surgiu na vista, o que tornou seu olhar fúnebre e deixou sua alma em ponto de ebulição.

    No canto da rua, perto de uma fonte, um banco vazio em cores mórbidas lhe tirou a atenção e lhe encantou passo por passo, até que quando deu por si, já estava ali, sentado com papel e caneta na mão, dica de sua terapeuta: "ao final de cada dia, escreva em um pequeno pedaço de papel tudo que lhe aconteceu, assim, você vai poder tirar, de cada dia, um novo aprendizado, com base nos seus erros e acertos". Ele não acreditava em nada daquilo, mas, havia resolvido tentar aquela experiência, na intenção de finalmente, mostrar a sua terapeuta que aquilo não iria adiantar.

    Ele então começou a árdua tarefa de escrever sobre si mesmo, cheio de confiança, mas logo que a caneta repousou sobre o papel, a folha continuou em branco e a surpresa lhe veio na face: não sabia falar de si mesmo. Ele mesmo, depois de tanto tempo não sabia mais quem era. Olhou para os lados, e vendo sua face refletida na poça de água perto da fonte, perguntou-lhe quem ele era, mas o maldito reflexo só lhe imitava os movimentos, simetricamente. Era horrível aquela sensação de nada, e já ia proferir palavras de maldizeres a si próprio, quando um soluçar inocente lhe irrompeu de seu complexo de ira e o trouxe mais próximo da realidade. O timbre era doce, de certo voz de mulher, mas de onde vinha? 

    Respirou profundamente e olhou um ser que estava disposta sobre o chão da praça: os olhos eram envolvidos num infinito azul, como que duas esmeraldas presas em sua face. De resto, tudo era contra testemunho daquela beleza, posto que suas roupas eram trapos e sua pele estava deveras machucada pelo tempo. Ele foi ao seu encontro, lhe repousou a mão sobre a face, e lhe admirou no silêncio, silêncio esse que foi quebrado por sua pergunta: quem é você?-disse ele- não me reconhecesses?- ela lhe questionou- não relembra-te de mim em nada? sei que faz tempo que não nos vemos, mas, pensei que lembrarias. Pois não te recordo em nada - disse o homem,- dize-me, quem és? 

Naquele instante, a moça pálida e desfalecida olhou-lhe nos olhos e disse: eu sou a tua alma, alma esta que tu deixastes de lado a muito tempo, na procura incansável pelas coisas que te acalentavam o corpo e só me denegriam e agrediam-me. Assusta-te a minha aparência? pois deverias ver a ti mesmo: oco como um pedaço de pau, sem essência, sem significado concreto. Por isso agora te perguntas: quem sou eu? pois nestas horas, seria eu prestativa quem te daria todas as respostas, e sendo comigo um só, não reconhecesses mais a ti mesmo por que não sabes quem eu sou. Você escolheu tudo no mundo, e em troca, deixou que dentro de si mesmo habitasse o nada, uma atitude corajosa e idiota. Vagarás para sempre como uma folha em branco...

    Despertou do sono profundo. Ele ainda estava ali, sentado em sua cadeira ao lado da janela de seu quarto, como quem houvesse se entregado ao sono por um bom tempo. verificou o conteúdo das mãos, e encontrou o mesmo pedaço de papel e a caneta: de certo foi um pesadelo- confirmava para si mesmo, julgando que isso era necessário, até mesmo para manutenção de sua saúde mental. Olhou em volta e nada daquela louca que dizia ser sua alma. a luz do corredor se acendeu e, quando a porta se abriu, a imagem da filha lhe foi confortadora : ela era a sua essência, sua alma; ela era linda, os olhos eram envolvidos num infinito azul, como que duas esmeraldas presas em sua face...

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