terça-feira, 30 de abril de 2013

Filosofo de Subúrbio


A prisão de liberdade me deixa muito a vontade pra pensar em ter futuros. O meu azar talvez já esteja pré-definido, e o melhor agora talvez fosse aceitar essa coisa que chamam de destino, e viver essa vida mais ou menos. Talvez o contentamento seja um analgésico muito forte, que só deveria ser receitado pra pessoas sem muita vitalidade na alma como eu, ao menos agora. Eu me entreguei demais em muita coisa, e agora confesso que resta pouco de mim pra contar a história; Falta sentido na vida, que alguma hora
dessas já teve mais sentido do que agora.
Às vezes me da vontade de trocar os sentimentos de lado, de cogitar a possibilidade de levar uma vida regada a futebol no domingo, trabalho, gordura localizada e estresse, mas é simplesmente querer diluir num copo d’agua uma salina inteira. Eu nasci, simplesmente, pra ser estranho, e isso talvez seja o que eu mais gosto em mim. No rosto uma barba a fazer e nós pés um chinelo de dedo: eu sou o clássico filosofo de subúrbio, uma voz a mais fazendo baderna nas esquinas, olhando fixo pra além de todas as casas e pessoas, como se houvesse um além que só a mim pertence. Eu sei que é só sonho, e o que eu ainda posso chamar de meu carrego por baixo da pouca carne que tenho no peito: um coração batendo sem ritmo, sem compasso, bombeando em minhas veias esse jeito pessimista de olhar a vida.
Arrumando o meu quarto um dia desses, encontrei as minhas meias perdidas: as minhas meia-verdades. Foi o bastante pra que eu lembrasse o quanto era indolor viver a vida no automático, deixar as vontades sinceras vegetando por um desses corredores da vida que a gente só passa uma vez pra nunca mais. Minha vida é desnaturada demais, e a culpa é completamente minha e desse meu jeito displicente, mas não tem mais como voltar atrás e eu também não quero voltar atrás. O passado, ao menos o meu, tem muita dor e incômodos, e como eu não consigo me contentar tanto assim, melhor evitar. O ferrão que tiro do dedo, pode não machucar como antes, mas continua sendo um ferrão e pode machucar. Da mesma forma é o meu passado: eu já o superei uma vez, mas não sei se conseguiria superar tudo uma segunda vez. 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Eu sei que chove


E agora chove
Eu sei porque tem chuva no meu cabelo
Tem chuva na minha mão
Tem chuva na minha roupa
Tem meu cachorro molhado na chuva
Tem pedaços de livro de autoajuda
Tem o lençol de papelão se rasgando
Por baixo da goteira no telhado de Brasilit
E eu faço uma prece a Deus
Minha prece diluída na água fluida dos meus olhos
Há de encontrar-se com as aguas, que um dia
Voltarão para o céu
Meu irmão mais novo chora com medo dos trovões
E no clarão do relâmpago ele vê meu sorriso e se acalma.
Com meu irmão enlaçando minha cintura com os bracinhos finos,
Olho pro horizonte cinzento da avenida
Está tudo escuro, tudo quieto, tudo morto como eu de vez enquanto
Ponho a mão no único bolso de minha calça que não é furado,
Coço os pelos no rosto, pensando na vida
Penso em sina, penso em morte, penso em ter sorte
Mas eu só tenho fé, só tenho pé na estrada
Corpo na chuva, barriga na aridez da miséria
E é só uma chuva, como todas as outras
Muitos dormem tranquilos, e eu, molhado.



segunda-feira, 22 de abril de 2013

O que veio na alma

Eu fico aqui, deitado sobre esse chão bicolor
E a vida parece ter dois lados
tal qual as duas lâmpadas no teto,
as portas trancadas do meu quarto.
Os meus discos rotacionam viciados
e as lembranças afinadas ressoam
sorriso a sorriso, lagrima a lágrima.
As vezes suspiro tão fortemente que os alicerces abalam
O coração está vazio,
e o vento passando por dentro de cada espaço
parece tocar um epitáfio,
uma canção de adeus e amor maior;
E eu me questiono
se não deveria estar lá e não aqui
vivendo noutros vãos vazios
cheio de muito nada.
É a estrada infinita dentro de mim,
e tem alguém que sempre vem quando eu volto.
De talvez em talvez a minha alma esquartejada
vira peça de exposição, talvez de artes;
E a felicidade enquadrada numa tela de outdoor brilha e me convida
pra qualquer lugar do outro lado da cidade
onde as luzes parecem não se apagar,
mas não há luz que ilumine as almas daquele lado.
Se não houvesse essa luz, eu não precisaria dessa máscara,
e sem essa mascara não sei mais quem sou,
só quem estou.