A prisão de liberdade me deixa
muito a vontade pra pensar em ter futuros. O meu azar talvez já esteja pré-definido,
e o melhor agora talvez fosse aceitar essa coisa que chamam de destino, e viver
essa vida mais ou menos. Talvez o contentamento seja um analgésico muito forte,
que só deveria ser receitado pra pessoas sem muita vitalidade na alma como eu,
ao menos agora. Eu me entreguei demais em muita coisa, e agora confesso que
resta pouco de mim pra contar a história; Falta sentido na vida, que alguma
hora
dessas já teve mais sentido do que agora.
Às vezes me da vontade de trocar
os sentimentos de lado, de cogitar a possibilidade de levar uma vida regada a
futebol no domingo, trabalho, gordura localizada e estresse, mas é simplesmente
querer diluir num copo d’agua uma salina inteira. Eu nasci, simplesmente, pra
ser estranho, e isso talvez seja o que eu mais gosto em mim. No rosto uma barba
a fazer e nós pés um chinelo de dedo: eu sou o clássico filosofo de subúrbio,
uma voz a mais fazendo baderna nas esquinas, olhando fixo pra além de todas as
casas e pessoas, como se houvesse um além que só a mim pertence. Eu sei que é
só sonho, e o que eu ainda posso chamar de meu carrego por baixo da pouca carne
que tenho no peito: um coração batendo sem ritmo, sem compasso, bombeando em
minhas veias esse jeito pessimista de olhar a vida.
Arrumando o meu quarto um dia desses,
encontrei as minhas meias perdidas: as minhas meia-verdades. Foi o bastante pra
que eu lembrasse o quanto era indolor viver a vida no automático, deixar as
vontades sinceras vegetando por um desses corredores da vida que a gente só
passa uma vez pra nunca mais. Minha vida é desnaturada demais, e a culpa é
completamente minha e desse meu jeito displicente, mas não tem mais como voltar
atrás e eu também não quero voltar atrás. O passado, ao menos o meu, tem muita
dor e incômodos, e como eu não consigo me contentar tanto assim, melhor evitar.
O ferrão que tiro do dedo, pode não machucar como antes, mas continua sendo um
ferrão e pode machucar. Da mesma forma é o meu passado: eu já o superei uma
vez, mas não sei se conseguiria superar tudo uma segunda vez.
Digno de meu olhar.
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