Eu lhe espiei
por trás da porta por alguns segundos: ela estava dormindo ainda, um rosto
tranquilo, como o de quem alcançou, finalmente, seu tão desejado sonho. Em
minhas mãos eu levava as flores que lhe daria de presente, e confesso que por
alguns minutos, olhando para aquelas flores aparentemente tão comuns como
outras quaisquer, eu me peguei a lembrar de absolutamente tudo que havia
acontecido até aquele momento, até aquele estado perpétuo de felicidade.
Entre nós não
havia quase nada. Talvez um amigo em comum ali, outro aqui, e mais nada além.
Havia também mil motivos para que, naquela tarde chuvosa de setembro, eu não
houvesse ido aquele show, de uma banda que escutava tanto quando era jovem e
que, por motivos que agora desconheço, esqueci, e também isso pouco importa
agora, no futuro. Lá estava eu, o garoto magricela, vestido de preto, cabelos
grandes e para contrastar com todo esse estilo ousado de rockeiro, a timidez.
Do outro lado, lá estava ela, retraída num canto qualquer daquela praça, tirava
algumas fotos do show, e nada mais. Aparentemente, nada em comum, mas quando se
pensa que a vida vai continuar monótona, ela aparece de repente com uma
novidade drástica, e no meu caso, veio com aquela canção.
Era mais uma
daquelas canções melosas, românticas e intensas de Love Metal que todo mundo
curtia e que, de uma hora para a outra, fez nossos olhares se cruzarem. Dai por
diante, foi àquela inquietude dentro de nós, ou ao menos dentro de mim, aquela
que só sentimentos sinceros trazem. Fomos aproximando-nos, primeiramente sem
muita intenção, depois, movidos como que por uma necessidade. Por um momento,
fiquei em duvida se aquilo tudo era parte da realidade, se era um sonho ou se
eu poderia estar dentro de mais uma telenovela, mas era a vida real, era o amor
real daqueles que não se explica, mas apenas nos surpreende.
Voltei à
realidade, e já não sou mais um garoto de 17 anos, cheio de vigor. Esse lugar
não é a velha praça dos shows vertiginosos, mas a garota continua aqui, linda
ao meu lado, eu não a chamo mais de “a garota”, e sim de mulher. Eu não acordo
mais cheio de duvidas, acordo feliz ao lado desta que me roubou vários olhares
naquela tarde de setembro, e que agora inspira todas as minhas canções e
poemas. Eu não lhe entrego flores, eu me arrisco na expectativa de me
deslumbrar mais uma vez naquele sorriso e naquele beijo que há 20 anos atrás me
conquistaram e ainda continuam me conquistando, por que não há amor sem
felicidade, e o sorriso é um aceno da felicidade. Eu toco mais uma vez a nossa
canção, no violão velho da juventude, sentado ao seu lado, olhando nos seus
olhos, e somente no olhar um do outro, somos enfim, completos.
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